domingo, 31 de maio de 2009

Segundo dia

Hoje logo cedo fui na Pharmaprix pra comprar o passe mensal. Acho que a Pharmaprix é uma farmácia, mas ela parece mais supermercado. Pra falar a verdade nunca vi remédio nenhum na Pharmaprix, nem aspirina, nem vitamina C, nem band-aid... Eles devem ficar escondidos num compartimento secreto, longe dos hipocondríacos e suicidadas canadenses. Se alguém conhecer o segredo da Pharmaprix me avisa por favor. Tem uma outra rede de farmácias chamada Jean-Coutu, depois vou dar uma passadinha lá pra ver se eu consigo encontrar algum remédio, vai que eu precise algum dia desses... Voltando ao passe, como ainda não tinha o cartãozinho tive que comprar por $ 3.50, mais a carga mensal ficou em $ 72.00. Ou sejá, é só $ 68.50 que se paga por mês pra ir pra qualquer buraco de Montreal, a hora que quiser, quantas vezes quiser, de ônibus ou de metro.


Estava bem tranquilo em casa quando a Lara me disse que hoje era o dia do museu e que eu podia entrar de graça em todos os museus da cidade. Como ela não ia sair hoje e a mãe dela já tinha ido embora, ela me ofereceu o passe semanal que ela tinha comprado pra mãe, pois o meu só funciona a partir de amanhã. Ela sugeriu o Biodôme, um museu que reproduz quatro ecossistemas encontrados nas Américas: floresta tropical, floresta laurentiana, ecossitema marinho do São Lourenço e o polar. Calcei meu tênis e rumei para a estação Vieau. Quando eu saí de casa eram umas 2 da tarde e não estava frio, mas quando eu cheguei no Biodôme o tempo fechou, a temperatura caiu e a galera que estava na fila só de moleton passou frio (eu no meio).

Por falar em fila, essa estava imensa, o pessoal estava aproveitando pois nos dias normais a entrada é $ 16. A fila dava voltas, mas andava rápido. Na minha frente tinha um casal anglófono que fazia questão de manter meio metro de distância do pessoal da frente e eu fazia o mesmo. Atrás de mim tinha um casal quebecois que estava praticamente respirando no meu cangote. Eu não entendia nada do que eles falavam, era só "pi blá blá blá, pi tabarnak, ta geule, tabarnouche, pi osti de coliss". Mas o que mais tinha na fila era chinês.

Assim que entramos passamos pela floresta tropical. Dava pra sentir o clima, a humidade do ar. Tinha um monte de espécies de micos, macacos, jacaré e aves. Depois passamos pela floresta laurentiana, com várias espécies de árvores caducifólias, castor, patos, etc, etc. Despois passamos por uns aquarios mostrando o ecossistema marinho do São Lourenço e o ecossitema polar. O que mais me impressionou no Biodôme foi o seu exterior. A arquitetura no museu é muito linda.

Na saída passei na lojinha pra comprar um chaveiro e um moleton do Canada. Fora os postais da noite anterior, ainda não tinha comprado nada para satisfazer meu embasbacamento de turista de primeira viagem. E como a condição de turista vai durar por pouco tempo e logo logo vou ter que procurar emprego, a compra foi justificável.



Saí correndo pre ver se pegava mais algum museu aberto. Peguei o metrô e desci na estação Guy-Concordia. Subi até a Sherbrook Ouest mas o museu de belas artes já estava fechado. Andei pelas redondezas, várias casas e lojinhas no estilo vitoriano. A maioria das casas eram repúblicas do pessoal da Universidade de Concórdia. Voltei na estação e fui embora para casa.

De Montreal - Primeira Semana

Quando cheguei em Côte-des-Neiges, CDN daqui pra frente, voltei na Pharmaprix e comprei algumas coisinhas, incluindo aquele que viria a ser o sorvete mais gostoso que eu já comi em toda minha vida. Dizem que Häagen-Dazs é bom, mas nunca tive "coragem financeira" para comprar. A marca do sorvete era Breyers Skor e estava em promoção de $ 7 por $ 3 o pote de um litro e meio. Quando eu cheguei em casa e experimentei, não pude acreditar no meu paladar.


Ás vezes eu avalio como muito positiva a experiência de ter nascido pobre num país de terceiro mundo. É preciso de muito pouca coisa pra me impressionar, me sentir feliz e realizado. Por exemplo hoje, poderia ser classificado como um dos melhores dias da minha vida, ontem também foi, e acho que essa semana ainda promete. Amanhã eu começo a correr atrás das burocracias: dar entrada no ministério de imigração, número de seguro social, carteirinha de saúde, curso de francês, etc, etc.

sábado, 30 de maio de 2009

Primeiro dia

Ontem no aeroporto de Guarulhos foi tudo tranquilo, não tinha fila no balcão da Air Canada, cheguei e já fui atendido. Foi tudo tão simples, rápido e descontraído que parecia check-in de voo doméstico. Falo isso porque o ano passado, quando fui levar minha irmã no aeroporto, acompanhei todo o processo de check-in dela na American Airlines e foi assustador, funcionários frios, clima tenso, muitas perguntas, checagem e rechecagem de visto. Acho que o pessoal da Air Canada nem olhou meu visto. Fui pra sala de embarque umas 19:10. Assim que me sentei notei as moças do meu lado falando francês e eu sem entender nada, bateu um desespero, mas eu pensei 'deve ser por causa da ansiedade'. Na minha frente tinha um grupo que provavelmente estava indo para algum congresso de veterinária porque eles carregavam uns painéis e ouvi palavras-chave tipo 'Purina', 'Bayer'...

O voo saiu na hora, minha poltrona era a 12H, escolheram pra mim, eu tinha pensado em ligar pra pegar uma poltrona no fundão (dizem que as chances de sobrevivência no caso de acidentes aéreos são maiores), mas não tive tempo e acabei esquecendo, por fim, pra minha surpresa, tinha um espaço enorme na frente porque essa era a primeira fileira de poltronas depois da classe executiva. Assim que o avião decolou a aeromoça passou oferecendo 'National Post' ou 'La Presse', eu pedi 'La Presse' ela respondeu alguma coisa que eu não entendi e eu só falei 'Ooooui!', na hora eu lembrei do filme do Mr. Bean e comecei a rir, ela foi em algum lugar depois trouxe o jornal pra mim. O cara que sentou do meu lado não era de muita conversa, assim que chegou ele colocou o fone de ouvido e virou pro lado como um sinal claro de 'não me incomode'. Na televisãozinha escolhi um programa sobre a crise financeira e depois um filme de um moleque amish que testemunha um crime daí o policial encarregado do caso acaba tendo que viver entre os amish, não sei do final porque eu acabei dormindo e quando eu acordei já estavam servindo o café da manhã.

O comissário passou oferencendo 'Scranbled Eggs' e 'Free Tata'. Como ovos mexidos não é lá essas coisas em sofisticação e como eu não sou nada besta, quis experimentar essa 'Tata' que estavam dando de graça. Virei para o comissário e lasquei meu inglês num sotaque bem 'cheddar méc méuri': - I want a Ta-ta! - Excuse me sir? - I want the Tata you're giving for free. Ele ficou meio confuso e me deu a bendita Tata. Enquanto eu comia ouvi o pessoal atrás comentando que estavam servindo ovos mexidos e fritada. :P Haha, deixa pra lá, continuei comendo minha Tata.

Desci em Toronto umas 5:30 da manhã, segui o fluxo do pessoal, cai na sala de aduana, escolhi um guichê, apresentei meu passaporte e a ficha de aduana que eles pedem para preencher ainda no avião. Preferi usar o inglês em Toronto pra não deixar escapar nenhuma informação, poderia praticar francês em outra ocasião. O agente fez algumas perguntas rápidas, perguntou se eu tinha o formulário de confirmação de residencia permanente, ia tirando da pasta quando ele disse que não precisava pois a pasta era transparente e dava pra ele ver, ele fechou a cara e perguntou se eu tinha destacado as bordas picotadas, respondi que não, que tinha dobrado para trás para caber na pasta. Ele sorriu e me mandou para a sala de imigração.

A sala de imigração estava quase vazia, eu era o segundo da fila. Logo fui chamado, o agente fez algumas perguntas para confirmar as informações no meu dossiê, perguntou quanto de dinheiro eu tinha em mãos, assinou minha confirmação de residência permanente, me deu algumas informações e um kit boas vindas. Já eram umas 7 horas e o voo para Montréal saía às 8. Desci, peguei minha mala e segui as placas indicando conexão, cheguei numa sala, a moça pediu meu cartão de embarque e pediu para que eu colocasse a minha mala na esteira 2. Coloquei minha mala na esteira e como ela estava desligada fiquei esperando que ligassem para ter certeza que a mala ia mesmo embarcar. Subi para a sala de embarque, eram umas 7:20, como tinha um tempinho parei no telefone público para ligar pra casa e avisar que estava tudo bem. Usei o meu cartão de crédito para fazer a ligação, foi super fácil, ouvia meus pais como se eles estivessem pertinho, e nessa hora o coração apertou, era um misto de alegria, com alívio, com saudade, mas essa ligação serviu para recuperar as energias para o próximo voo.

Embarcamos umas 7:40, sentei no corredor, numa fileira com saída de emergência. Achei que a poltrona do meu lado ia vazia pois já eram quase 8 horas e ninguem tinha aparecido. Logo logo chegou uma senhora com uma mala enorme causando rebuliço no avião e o lugar dela era justamente o que estava vazio, bem do lado da saída de emergência. A aeromoça pegou a mala da senhora e ia levando para outro lugar, a senhora segurava a malona com força e dizia 'mi cartera! mi cartera!', daí eu falei para a aeromoça 'she wants her wallet'. A senhora virou pra mim e disse 'gracias, ablas español?' e eu 'non, yo ablo portuñol'. O voo já estava atrasado, a aeromoça voltou e disse que alguém que falasse inglês tinha que sentar do lado da saída de emergência daí eu troquei do lugar com a senhora e finalmente decolamos.

O voo foi rapidinho, estavam dando uns biscoitos bons, e a tiazinha do lado me deu o dela, depois os amigos dela não quiseram daí ela passou pra mim. Desci do avião com a barriga cheia direto para o saguão do aeroporto. Segui a placa imigração para me informar sobre os documentos que eu precisava tirar, e etc mas o oficial que estava atendendo me informou que eles eram só responsáveis pela segurança e pediu para que eu procurasse o ministério de imigração no centro de Montréal na segunda-feira. Saí de lá e procurei algum balcão de informações, algum mapa, e nada. Comecei a ficar desesperado. Precisava desesperadamente descobrir onde que ficava o ponto de ônibus. Avistei uns mochileiros encostados num balcão, fui até lá, mas não tinha ninguém atendendo e eles estavam na mesma situação que eu. Fiquei enrolando um pouco pois lá fora estava chovendo e eu estava com medo, não me pergunte do que, acho que estava esperando cair a ficha, fiquei tentado em pegar um taxi, tentei usar a chuva como desculpa para isso, mas eu fui forte, aquela já era hora de meter as caras e aprender como funciona o transporte público em Montréal. Fui na parte externa do aeroporto umas três vezes e voltava pra dentro com frio, numa dessas vezes avistei uma placa de ponto de ônibus do outro lado da rua e comecei a ficar animado.



Lembrei que tinha que trocar o dinheiro para pagar o busão. Fui no Subway pois já conhecia mais ou menos o esquema, o cara perguntou que carne que eu queria no sanduiche, daí eu perguntei o que eles tinham, daí ele disse 'nós temos todas', fique com raiva pois esperava que ele falasse as opções para facilitar a minha escolha, deu vontade de falar que queria carne de jegue, mas não lembrei como era 'jegue' em francês. Eu vi frango daí eu falei 'poule', e ele 'poulÊ?', e eu 'oui, oui, oui c'est ça'. Na hora de pagar ele não me deu os trocados que eu queria, descobri isso depois de uns 10 minutos analisando as moedas, tentando descobrir quanto cada uma valia, eu só pensava 'por que diachos eles não colocam um numero bem grandão na moeda?', depois desse primeiro contato com as moedas eu voltei e falei que precisava de mais trocado para o busão, ele me deu, terminei de comer meu sanduiche-iche e fui para o ponto de ônibus.

De Montreal - Primeira Semana

Peguei a linha 204, a motorista foi bem simpática, me explicou como que funcionava a catraca que na verdade não é uma catraca pois a entrada do ônibus é toda aberta (aqui não fazer sentido pular a catraca, talvez passar sem pagar). Fui colocando as moedas e quando completou 2.75 a "catraca" cuspiu um ticket de conexão, daí ela me explicou que eu poderia usar esse ticket por duas horas para pegar quantos ônibus/metros eu quisesse.


Desci na estação Dorval e peguei a linha 211 para o centro de Montréal, desci na estação Lionel-Groux e peguei o metro para Snowdon e depois outro para Côte-des-Neiges. Encontrei a rua rapidinho pois ela estava justamente no sentido que eu tomei quando saí da estação. Quando cheguei em casa Juan David me recebeu e meu deu as chaves, a gente conversou um pouquinho, ele é colombiano e está estudando inglês aqui em Montréal. Na casa ainda moram a Lara (de quem estou alugando o quarto pois ela vai fazer um estágio na França no verão), uma menina da Mauritânia que quase nunca está em casa e um canadense que já foi pra casa, então no apartamento vai ficar só eu e o Juan David.



À tarde fui fazer o reconhecimento do território, a Côte-de-Neiges é a avenida principal do bairro, e tem um monte de supermercados, bancos, restaurantes, hospitais, escolas, igreja francófona, igreja anglófona etc etc. Eu fiz minha primeira compra num supermercado chamado Metro. Comprei comida congelada, croissant, manteiga, suco de laranja, shampoo, sabonete (ahhh o Dove aqui é bem diferente, o cheiro não é muito bom) e pasta de dente.

Quando fui almoçar já eram umas 2 da tarde. Estava tranquilo na cozinha quando Lara chegou com a mãe dela, que está visitando Montréal pela primeira vez. Quando a mãe dela chegou na cozinha tomou um susto, daí eu me apresentei e comecei a falar em inglês com ela, notei que ela não estava entendendo, ela ficava rindo e ficava fazendo sinal chamando Lara e apontando para mim. Daí ela chegou e começamos a conversar. Depois do almoço descansei um pouquinho e umas 15 pras 5 desci para a missa, fui na igreja com missas em francês (Notre-Dame-des-Neiges). A igreja era enorme, estava praticamente vazia e a maioria eram idosos. A celebração foi muito legal, com órgão de tubo, liturgia impecável, fui acompanhando no livretinho e filmando tudo. O engraçado foi na hora da oferta, eu não tinha levado nada e a senhora que passou com a cestinha ficou do meu lado insistindo para que eu desse alguma coisa, daí eu tive que dizer que não tinha nada, haha eu fiquei constrangido nessa hora. Quando forem para alguma missa no Canada por favor levem algumas moedinhas. Na saída eu fui andando com a câmera ligada e uma velhinha muito simpática puxou conversa, perguntou se não tinha perigo de cair enquanto estava filmando, daí disse que não, que estava prestando atenção, ela sorriu e continuou sua caminhada com calma.



Voltei para casa achando que o dia já tinha rendido muito quando Lara aparece na porta do quarto dizendo que estava indo com a mãe no antigo porto e na velha Montréal e me pergunta se eu não queria ir também. Eu nem acreditei e já fui aceitando logo, já eram umas 8 da noite. Vesti uma jaqueta e fomos para o metrô. A mãe dela é muito legal, vivia rindo e balançando a cabeça fazendo sinal de positivo. Ela pedia para Lara me perguntar alguma coisa sobre o Brasil, daí Lara falava para ela mesma perguntar e Lara ia ajudando ela formular a frase. A gente desceu na estação Place d'Armes. No antigo porto comprei uns cartões postais. A noite estava massa e as luzes da velha Montréal... não tem como descrever. No porto tinha um barco tocando putz-putz, piscando umas luzes e uma gritaria rolando solta. A gente ouviu alguns sons vindo do Cirque du Soleil, que fica do lado do porto, eles podiam estar ensaiando ou se apresentando. Subimos o boulevard Saint-Laurent e entramos na rue Saint-Paul que estava cheia de turistas, entramos em algumas lojinhas, e caímos na praça Jacques-Cartier. Na praça tinham uns chicanos tocando, artistas fazendo caricaturas, vendedores. Subimos mais um pouco até a prefeitura, depois passamos por uma fonte e logo à frente, próximo à autoroute Ville-Marie, tive uma das visões mais lindas da minha vida, os prédios do centro de Montréal iluminados. Tinha um com estilo chinês, lindimais, lindimais. Entramos na estação Champ-de-Mars e voltamos para casa pois a mãe de Lara precisava arrumar as malas (ela viaja amanhã para Edmonton para a festa de graduação do filho). Elas ainda andaram um pouco na Côte-des-Neiges pra comprar alguma coisa pra comer mas eu vim direto para casa pra tomar um banho e colocar a comida congelada no micro-ondas. Jantamos juntos, ela me deixou experimentar uma comida libanesa que ela comprou.